Até hoje, nunca tinha lido um livro de “enfiada”. No dia em que mãe, trouxe o seu livro para casa, agarrou em quatro e distribuí um por cada um. Quando chegou a minha vez olhou-me com um ar carinhoso e disse: é teu. Quando te apetecer lê. No final a mãe faz-te uma dedicatória.
Fiquei em pulgas. Abri a primeira página às dez da noite e só conseguir ir dormir quando a nossa história em papel terminou. Hoje pedi à mãe para escrever aqui 2 das páginas que mais gostei do livro:
“Precisei de um ano e meio de vida com a Maria para aprender que uma pessoa deficiente não tem de ser doente. Entendi isso depois de algumas operações ao coração, ao estômago, aos olhos, de várias sessões de quimioterapia e só fiz essa ligação porque a Maria nasceu doente. Diria que precisei de começar por ter contacto com a doença, mais do que com a diferença, para descobrir uma verdade tão simples.
Julgo que até então nunca conseguira fazer essa distinção e tenho consciência que mais de 90% das pessoas têm também este preconceito. É comum pensar-se que uma criança deficiente é obrigatoriamente doente, como se uma coisa implicasse a outra. E não é assim.
Hoje em dia, por exemplo, a Maria não é doente: tem uma prótese, tem uns apetrechos no estômago, mas não tem nenhum problema de saúde. Não toma nenhum medicamento e não faz nenhum tratamento. A Maria é uma criança saudável.
É graças à minha filha que percebo como faz sentido falar em deficiência e não em doença. Infelizmente, para a sociedade em geral continua a ser mais fácil acolher um doente, do que aceitar um deficiente. E não vale a pena assobiarmos para o lado, como se nada fosse. Todos somos educados para nos ser mais fácil cuidar e estarmos próximos de alguém que esteja mal do que assumirmos que uma pessoa seja diferente. Mesmo que essa deficiência apenas torne estas pessoas especiais em vez de doentes.
De facto, a vinda da Maria fez-me mudar muito o meu entendimento sobre a deficiência, mas foi o nascimento do Tomás que nos trouxe a força, ao Jorge e a mim, para começarmos a conseguir olhar para o futuro sem reservas. À nossa volta, tínhamos vários amigos com filhos a quem tudo corria bem e, com a perspectiva dessa naturalidade que nunca existira na nossa vida, desfocámos do sobressalto e entrámos na dita normalidade. (…)
O Tomás nasceu no verão, umas semanas depois de a Maria ter alta do IPO (..)”
Até parece um romance mas é a história da nossa vida. É impossível parar de ler, não é?
O irmão da Maria (Tomás Rebelo Pires)| Excerto do livro “A mãe da Maria”
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